Claudia Giovanna Presentato[1]
A Emenda Constitucional nº 132/2023 e a Lei Complementar nº 214/2025 consolidaram a mais ampla reforma tributária brasileira das últimas décadas, especialmente no tocante à tributação sobre o consumo. Um dos pontos de maior relevância social e política foi a desoneração de alimentos e itens de consumo essencial, tema que mobilizou debates no Congresso Nacional e entre a sociedade civil. O objetivo declarado foi garantir o acesso da população a produtos básicos a preços mais justos, assegurando neutralidade e simplificação no novo modelo de Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).
A Constituição, reformada pela EC nº 132/2023, criou a cesta básica nacional de alimentos, contemplando produtos de elevado consumo popular, como leite, arroz, feijão, café, pães, farinhas, massas, sal e carnes. Esses itens, previstos no Anexo I da LC nº 214/2025, foram contemplados com alíquota zero de IBS e CBS, garantindo desoneração integral.
Além disso, o artigo 148 da LC nº 214/2025 estendeu a redução de 100% a produtos hortícolas, frutas, ovos e até flores destinadas a fins alimentares ou medicinais, conforme listado no Anexo XV. Trata-se de medida que busca favorecer a segurança alimentar e estimular hábitos saudáveis.
Outra inovação trazida pela reforma foi a criação de uma categoria intermediária, com redução de 60% da alíquota, destinada a produtos agropecuários, aquícolas, pesqueiros, florestais e extrativistas vegetais in natura.
Contudo, o conceito normativo de in natura não se apresenta de forma precisa, abrindo espaço para debates regulatórios. Questões como a possibilidade de acondicionamento ou adição de conservantes sem perda dessa natureza deverão ser objeto de regulamentação complementar, sob pena de insegurança jurídica e litígios tributários.
Durante os debates legislativos, chamou a atenção a polêmica inclusão das carnes na cesta básica nacional, decisão que impactou diretamente a alíquota de referência. Por outro lado, produtos considerados supérfluos, como o foie gras, foram excluídos — uma escolha simbólica que reforça a diferenciação entre o consumo popular e o de luxo.
Outro aspecto relevante é que, embora alguns anexos da LC façam menção a famílias de baixa renda, o critério normativo utilizado foi a classificação fiscal e a NCM, e não critérios socioeconômicos diretos. Assim, a redução alcança itens como sabão, papel higiênico, pasta de dente e fraldas, bens de uso universal.
Um ponto positivo destacado pela doutrina é a uniformização das reduções em âmbito nacional, evitando a proliferação de regimes diferenciados entre os Estados e Municípios. No entanto, críticos apontam que a medida desconsidera peculiaridades regionais de consumo e produção, o que pode gerar distorções em economias locais, sobretudo nas regiões Norte e Nordeste.
Do ponto de vista econômico, espera-se que a desoneração integral ou parcial de alimentos e itens básicos contribua para a redução dos preços ao consumidor final, ao mesmo tempo em que aumenta a transparência tributária e simplifica a sistemática de recolhimento.
Socialmente, a medida se alinha ao princípio da capacidade contributiva e ao direito fundamental à alimentação, na medida em que busca reduzir a regressividade do sistema tributário brasileiro, tradicionalmente criticado por onerar mais fortemente as classes de menor renda.
A reforma tributária, ao chegar ao supermercado, traduz-se em medidas concretas para a vida do consumidor. Apesar das críticas e desafios interpretativos que ainda persistem, a desoneração da cesta básica e de itens essenciais representa um avanço em termos de justiça fiscal, simplicidade e promoção de políticas públicas voltadas à dignidade da pessoa humana.
O sucesso, contudo, dependerá da adequada regulamentação, da fiscalização eficiente e da capacidade do mercado em repassar as reduções tributárias para os preços de prateleira.
[1] Advogada, graduada no Centro Universitário Autônomo do Brasil – UniBrasil, onde alcançou o grau de Bacharel em Direito. Também é pós-graduada no Instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar na Especialização de Direito Administrativo e Centro Universitário Curitiba – UniCuritiba na Especialização de Direito Tributário e Processo Tributário e pós-graduanda em Planejamento Tributário pelo Gran Cursos. Atualmente faz parte da Comissão de Direito Tributário da OAB/PR como Membro Relator.
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