Eliane Kozan[1]
1. Introdução
A reforma tributária que está em tramitação e prestes a vigorar no Brasil, traz mudanças significativas para as empresas, sócios e para a remuneração dos envolvidos na atividade societária. Entre os diversos efeitos, destaca-se a necessidade de repensar a remuneração dos sócios por meio de pró-labore e/ou distribuição de lucros, já que tanto a tributação sobre pessoa física quanto sobre pessoa jurídica pode ser alterada no novo cenário.
Neste contexto, é fundamental compreender como tais mudanças influenciarão o pró-labore — remuneração que o sócio que atua na empresa recebe — e quais implicações previdenciárias, trabalhistas e tributárias devem ser consideradas.
Este artigo tem como objetivo examinar o que muda para o pró-labore, os principais cuidados que se colocam para o sócio que recebe esse tipo de remuneração e como o planejamento pode minimizar riscos e custos, sem perder de vista as obrigações legais (inclusive previdenciárias).
2. Que é o pró-labore e o que muda com a reforma
O pró-labore é a remuneração paga ao sócio que participa da atividade da empresa, de modo análogo a um salário para aquele que exerce função de administrador ou prestador de serviços na sociedade.
Diferentemente da mera distribuição de lucros — que ocorre quando há apuração de resultado positivo e, na sistemática atual, pode estar isenta de determinados tributos — o pró-labore está sujeito a encargos previdenciários (INSS) e tributação sobre a pessoa física (IRPF), conforme valores e regime aplicáveis.
Com a reforma tributária em curso, destacam-se dois aspectos que impactam diretamente o pró-labore:
3. Principais impactos no âmbito tributário e previdenciário
3.1 Tributação pessoal do sócio
O sócio que recebe pró-labore estará sujeito ao IRPF conforme tabela vigente, além dos recolhimentos de INSS (quando aplicável) sobre essa remuneração.
Com o novo modelo de tributação pessoal mais progressiva ou com inclusão de novas categorias de rendimentos na base, a parcela líquida recebida pode diminuir, ou seja, o “valor bruto” do pró-labore pode exigir ajuste para manter o mesmo valor líquido ao sócio.
Além disso, se a empresa optar por reduzir a distribuição de lucros (em vista de tributação adicional sobre lucros) e aumentar o pró-labore, o custo para a empresa pode crescer (encargos patronais ou impactos trabalhistas/internos), e para o sócio, a base de tributação pessoal pode subir. Como observado: “transformar dividendos em rendimento tributável progressivamente (…) a viabilidade depende do regime tributário”.
3.2 Impactos para a empresa e para o regime societário
Para a empresa, o aumento do pró-labore significa aumento de despesa operacional, e possivelmente maior recolhimento de encargos previdenciários ou trabalhistas (dependendo da forma de contratação), o que pode reduzir o lucro líquido. Por outro lado, se a distribuição de lucros se torna menos vantajosa em razão da reforma, optar por pró-labore maior pode passar a ter lógica bem diferente do passado, pois se as mudanças forem aprovadas, os lucros distribuídos aos sócios serão tributados na fonte, com alíquota de 15% sobre os valores pagos a cada sócio.
Logo, surge uma nova necessidade de balancear: definir valor do pró-labore compatível com a função exercida, observar a eventual carga adicional de impostos sobre distribuição de lucros, considerar impacto previdenciário e revisar regime tributário da empresa.
3.3 Aspectos previdenciários
Para o sócio que efetivamente trabalha na empresa, o pró-labore é relevante para fins de cobertura previdenciária (contribuição ao Instituto Nacional do Seguro Social-INSS como contribuinte individual ou equiparado, conforme a situação). Se o pró-labore for muito baixo ou inexistente (com a remuneração apenas por lucros), pode haver questionamentos quanto à natureza da atividade e ao enquadramento previdenciário e trabalhista.
Com a reforma tributária alterando a remuneração tradicional dos sócios, pode haver impacto na base de cálculo da contribuição previdenciária, inclusive para fins de aposentadoria, pensão e demais benefícios.
Assim, reduzir o pró-labore em favor de distribuição de lucros pode fragilizar a proteção previdenciária do sócio/trabalhador.
Ademais, se o sócio passa a receber mais via pró-labore, aumenta a sua contribuição previdenciária e também pode afetar obrigações da empresa. Por isso, o planejamento entre remuneração, tributação e previdência se torna ainda mais relevante.
4. Cuidados e estratégias de planejamento
4.1 Definição adequada do valor do pró-labore
É essencial que o valor do pró-labore seja compatível com a função exercida pelo sócio e com o mercado, evitando valores simbólicos ou desproporcionais que possam gerar autuações administrativas ou questionamentos fiscais. Uma prática recomendada é definir isso em assembleia ou em instrumento societário, considerando a atividade exercida, a carga de trabalho e a remuneração equivalente de mercado.
4.2 Avaliação do regime tributário da empresa
Dada a reforma, é imprescindível revisar o regime de tributação da empresa (Simples Nacional, Lucro Presumido ou Lucro Real) pois a forma de remuneração dos sócios e os efeitos tributários variam conforme regime. Por exemplo, se a empresa estava equilibrando entre pró-labore versus distribuição de lucros em função de isenção de impostos, a reforma pode alterar essa equação.
4.3 Simulações e projeções para sócios
Importa realizar simulações considerando: (a) valor bruto do pró-labore, (b) encargos previdenciários pessoais e empresariais, (c) tributação pessoal sobre esse valor líquido, (d) eventual tributação sobre lucros/distribuições e o que ocorre caso se opte por aumentar o pró-labore em vez de distribuir lucros. Conforme estudo recente, a opção de aumentar o pró-labore em função da tributação de lucros pode ser viável, porém depende do regime tributário.
4.4 Proteção previdenciária do sócio
O sócio-trabalhador deve estar atento ao impacto da remuneração escolhida para sua cobertura previdenciária. Uma remuneração muito baixa do pró-labore ou ausência de recolhimento pode comprometer tempo de contribuição, salário de benefício e vantagens da aposentadoria. Assim, a estratégia tributária não pode desconsiderar o planejamento previdenciário.
4.5 Documentação e controle contábil
É vital manter escrituração contábil rigorosa, comprovação de função do sócio que recebe pró-labore, atos societários que demonstrem a prestação de serviços e apropriação correta das remunerações. Em cenário de reforma, os órgãos de fiscalização poderão intensificar a análise da adequada distinção entre pró-labore e distribuição de lucros.
5. Conclusão
A reforma tributária em andamento representa uma mudança de paradigma que afeta diretamente a remuneração dos sócios via pró-labore e distribuição de lucros. Para o sócio que atua no dia a dia da empresa, não basta mais apenas definir valor de remuneração: é preciso, simultaneamente, avaliar tributação pessoal, carga previdenciária, regime da empresa e documentação societária.
Em muitos casos, pode haver vantagem em ajustar o valor do pró-labore — seja para preservar a cobertura previdenciária, seja para lidar com a menor vantagem da distribuição de lucros em cenário futuro. Contudo, essa opção deve ser balizada por simulação e planejamento, pois o aumento do pró-labore implica custos para a empresa e para o sócio.
É elementar neste momento que empresas e sócios revisem seus contratos sociais, política de remuneração de sócios, regime tributário e planejamento previdenciário o quanto antes. A antecipação dessas ações pode evitar surpresas, autuações e perdas tributárias ou previdenciárias.
Em meio a esse novo cenário, prevalece o cuidado com a conformidade, a clareza da função do sócio, a documentação adequada e o planejamento estruturado.
Com uma abordagem preventiva e ajustada à nova realidade tributária, os sócios poderão manter uma remuneração eficiente, compatível com a função exercida, adequada aos objetivos empresariais e à proteção previdenciária.
[1] Advogada Especialista em Direito Previdenciário pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), e pela ESMAFE PR Especialista em Direito Previdenciário e Processo Previdenciário
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