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O Simples Nacional na Era do IBS e da CBS - Reconfiguração da Tributação e Impactos Financeiros nas Micro e Pequenas Empresas

Cristhofer Pinto Oliveira[1]

Resumo

A reforma tributária do consumo inaugurada pela Emenda Constitucional n.º 132/2023 instituiu o modelo de IVA dual, por meio do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), em substituição a tributos como ICMS, ISS, PIS, Cofins e parte do IPI.

Diante desse novo desenho, surge a questão central deste artigo: como ficará a tributação das empresas optantes pelo Simples Nacional e quais serão os principais impactos financeiros dessa transição. A partir de pesquisa bibliográfica e análise normativa (EC 132/2023, LC 123/2006, LC 214/2025 e PLP 68/2024), demonstra-se que o Simples Nacional foi formalmente preservado, com incorporação do IBS e da CBS ao Documento de Arrecadação do Simples (DAS) e possibilidade de opção pelo recolhimento desses tributos fora do regime (modelo “híbrido”).

Conclui-se que, embora a simplificação formal seja mantida, haverá importantes efeitos econômicos: potenciais perdas de competitividade para empresas do Simples situadas no meio da cadeia produtiva, alterações no fluxo de caixa de fornecedores e compradores, e necessidade de reavaliação da escolha do regime tributário, especialmente para negócios com maior valor agregado ou forte inserção em cadeias B2B (Business-to-Business).

Palavras-chave: Reforma tributária; Simples Nacional; IBS; CBS; IVA dual; impacto financeiro.

1. Introdução

O sistema tributário brasileiro historicamente se caracteriza por complexidade, multiplicidade de tributos e forte litigiosidade, especialmente no âmbito da tributação sobre o consumo. A EC 132/2023 busca enfrentar esse quadro ao instituir um modelo de IVA dual, composto pelo IBS (de competência compartilhada entre Estados, DF e Municípios) e pela CBS (contribuição federal), substituindo ICMS, ISS, PIS, Cofins e parte do IPI.

Nesse cenário, o Simples Nacional, regime especial destinado às microempresas (ME) e empresas de pequeno porte (EPP) com tratamento diferenciado e favorecido previsto no art. 146, III, “d”, da Constituição Federal, ocupa posição estratégica, por concentrar expressivo número de CNPJs e significativa parcela dos empregos formais.

A reforma, porém, não é neutra para esse segmento. Embora o texto constitucional e a legislação infraconstitucional tenham preservado o regime simplificado, inclusive prevendo a inclusão de IBS e CBS no rol de tributos abrangidos pelo Simples, a forma como esses impostos se articulam com o regime — especialmente quanto à não geração de créditos para adquirentes e à opção de recolhimento “por fora” — pode produzir relevantes efeitos econômicos e financeiros sobre as empresas optantes.

O objetivo deste artigo é examinar como ficará a tributação do Simples Nacional com os novos impostos IBS e CBS, destacando os impactos financeiros esperados para as empresas, com foco na carga tributária efetiva, no fluxo de caixa e na competitividade em cadeias de valor.

2. Metodologia

Trata-se de pesquisa qualitativa, de caráter exploratório, com método dedutivo, baseada em:

  • análise da EC 132/2023 e da LC 214/2025, que efetivam o modelo de IVA dual;
  • exame do PLP 68/2024 (Lei Geral do IBS e da CBS), em especial no que tange ao tratamento das MEs e EPPs optantes pelo Simples;
  • consulta à LC 123/2006 e literatura especializada recente sobre reforma tributária e Simples Nacional;
  • análise de relatórios técnicos e estudos de consultorias e entidades de classe, com ênfase em impactos financeiros e contábeis.

Não se trata de estudo empírico com base em dados primários, mas de análise normativa e doutrinária com ilustrações numéricas simplificadas.

3. Marco normativo da reforma: EC 132/2023, LC 214/2025 e PLP 68/2024

A EC 132/2023 introduziu os arts. 156-A e 195, V, da Constituição, criando o IBS e a CBS e determinando que lei complementar disciplinasse o novo sistema, assegurando tratamento favorecido às micro e pequenas empresas, inclusive por regimes especiais ou simplificados.

Posteriormente, a LC 214/2025 foi aprovada, instituindo formalmente o IBS e a CBS e regulamentando o modelo de IVA dual previsto na EC 132/2023. Essa lei complementar substitui os antigos tributos sobre consumo (ICMS, ISS, PIS, Cofins e parte do IPI) pelos dois novos tributos, detalhando regras de incidência, base de cálculo, créditos, regimes específicos e disposições transitórias.

No plano infralegal, o PLP 68/2024, que deu origem à LC 214/2025, já apontava linhas gerais do sistema, incluindo:

  • não cumulatividade plena do IBS e da CBS, com apropriação de créditos sobre a maioria das aquisições de bens e serviços;
  • previsão de regimes diferenciados e alíquotas reduzidas, bem como créditos presumidos e isenções para setores específicos;
  • instituição de Imposto Seletivo para bens e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, não incluído no Simples Nacional.

Além disso, documentos oficiais da Receita Federal indicam cronograma de implementação, com ano teste em 2026 e período de transição em que IBS e CBS convivem com os tributos antigos, em alíquotas crescentes.

4. O Simples Nacional antes da reforma

O Simples Nacional, instituído pela LC 123/2006, consagra um modelo de tributação unificada em guia única (DAS), englobando IRPJ, CSLL, IPI, PIS, Cofins, INSS patronal, ICMS e ISS, conforme o anexo aplicável e a atividade exercida.

Entre suas principais características:

  • unificação de tributos federais, estaduais e municipais em alíquotas únicas progressivas por faixas de receita;
  • simplicidade operacional, com redução de obrigações acessórias em comparação com Lucro Presumido ou Real;
  • ausência de destaque de tributos por operação, o que, em geral, impede que adquirentes se creditem de tributos pagos na etapa anterior.

Estudos anteriores à reforma já apontavam que, embora vantajoso para empresas com baixa margem e forte foco em vendas ao consumidor final, o Simples podia ser menos competitivo para empresas posicionadas no meio da cadeia (B2B), especialmente quando seus clientes necessitavam de créditos de PIS/Cofins e ICMS para manter a neutralidade fiscal.

5. Tratamento do Simples Nacional frente ao IBS e à CBS

5.1 Manutenção formal do regime simplificado

A EC 132/2023 ratifica o tratamento diferenciado das micro e pequenas empresas, prevendo que o novo regime simplificado abrangerá também o IBS e a CBS.

Com a LC 214/2025, consolidou-se o entendimento de que:

  • o Simples Nacional não será extinto;
  • o DAS passará a englobar IBS e CBS na sua composição, substituindo PIS, Cofins, ICMS, ISS e parte do IPI;
  • permanece a lógica de alíquotas unificadas por faixas de receita, com eventual readequação de percentuais.

Dessa forma, em termos formais, a empresa optante continuará recolhendo em guia única, o que preserva a simplicidade operacional.

5.2 Opção por recolher IBS/CBS “por fora” (regime híbrido)

Um dos pontos mais relevantes para análise de impacto financeiro é a possibilidade, já prevista no PLP 68/2024 e absorvida pela LC 214/2025, de que optantes pelo Simples possam escolher apurar e recolher IBS e CBS pelo regime regular, fora do DAS (modelo conhecido como “regime híbrido”).

Em síntese:

  • a empresa permanece no Simples para fins de IRPJ, CSLL, CPP etc.;
  • IBS e CBS passam a ser apurados destacadamente, com escrituração própria e direito a créditos de IBS/CBS nos moldes do regime geral;
  • a decisão é opcional, mas com regras de irrevogabilidade por determinado período (a ser definido em regulamento), o que exige planejamento.

Essa possibilidade abre um leque de estratégias tributárias, mas também aumenta a complexidade operacional, aproximando a empresa da rotina de um contribuinte de regime normal.

5.3 Não geração de créditos para adquirentes e perda de competitividade

Outro ponto crítico, destacado por tributaristas e entidades de classe, é que compras feitas de empresas do Simples não geram créditos de IBS/CBS para os adquirentes, quando esses tributos são recolhidos dentro do DAS.

Na prática:

  • sob o modelo atual, compradores podiam apurar créditos de PIS/Cofins mesmo adquirindo de optantes do Simples;
  • com IBS/CBS, o crédito, em regra, depende do destaque do tributo na operação;
  • como o Simples não destaca IBS/CBS, o adquirente fica sem crédito, tornando a compra do fornecedor do Simples relativamente mais cara que a de um fornecedor do regime regular.

Esse aspecto é particularmente sensível para empresas do Simples inseridas no meio da cadeia, que vendem para outras pessoas jurídicas que se creditam de IBS/CBS. Estudos recentes apontam que parte dessas empresas pode perder competitividade e ser pressionada a migrar para regime híbrido ou mesmo para Lucro Presumido/Real, a depender da estrutura de custos e da margem operacional.

5.4 Imposto Seletivo fora do Simples

A reforma criou ainda o Imposto Seletivo (IS), incidente sobre bens e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, que não integra o Simples Nacional.

Assim, empresas do Simples que atuam em setores sujeitos ao IS (por exemplo, determinados produtos industrializados específicos) poderão:

  • continuar recolhendo tributos pelo Simples (incluindo IBS e CBS);
  • mas sofrer incidência adicional do IS fora do DAS, com impacto direto na carga tributária sobre esses produtos.

6. Impactos financeiros nas empresas optantes pelo Simples Nacional

6.1 Carga tributária efetiva e setor de atuação

A reforma não implica automaticamente aumento ou redução uniforme da carga tributária das empresas do Simples. O efeito é heterogêneo, dependendo de fatores como:

  • setor de atuação (serviços intensivos em mão de obra, comércio, indústria);
  • posição na cadeia (B2C x B2B);
  • margem de lucro e estrutura de custos;
  • necessidade de geração de créditos para clientes.

Literatura recente indica que, para empresas que vendem predominantemente ao consumidor final, o Simples tende a permanecer competitivo, pois o fato de não gerar créditos de IBS/CBS para o adquirente é irrelevante. Já para empresas que vendem majoritariamente para outras pessoas jurídicas, a ausência de crédito pode tornar o fornecedor do Simples menos atrativo, o que pode pressionar essas empresas a colher o regime híbrido ou migrar do Simples.

6.2 Fluxo de caixa e não cumulatividade

A lógica de não cumulatividade plena do IBS/CBS traz dois efeitos:

  1. Para quem adota o regime regular, o crédito passa a ser mais amplo, mas muitas vezes o tributo é pago antes da apropriação integral dos créditos, impactando o fluxo de caixa e a liquidez.
  2. Para quem permanece integralmente no Simples, a empresa não apura nem utiliza créditos de IBS/CBS, o que pode ser vantajoso ou não, dependendo da relação entre o valor agregado e a proporção de insumos tributados na cadeia.

Empresas de baixa margem e alto custo de insumos tributados podem se beneficiar do regime regular (ou híbrido), pois conseguem recuperar parte relevante dos impostos pagos nas aquisições. Já empresas com alto valor agregado e custos tributáveis relativamente menores tendem a se beneficiar do modelo simplificado, desde que sua clientela não dependa de créditos.

6.3 Exemplo numérico simplificado

Suponha, de forma meramente ilustrativa, duas empresas com mesma receita anual (R$ 1.200.000,00), atuando no comércio de produtos tributados:

  • Empresa A: varejista que vende 90% ao consumidor final;
  • Empresa B: atacadista que vende 90% para empresas do Lucro Real.

Cenário 1 – Permanência integral no Simples

  • Ambas recolhem tributos pela alíquota efetiva do Simples (incluindo IBS/CBS dentro do DAS);
  • Nenhuma destaca IBS/CBS;
  • Seus clientes não se creditam de IBS/CBS sobre essas compras.

Resultado provável:

  • Para a Empresa A (B2C), o fato de o consumidor final não se creditar é irrelevante; o foco é preço final e simplicidade.
  • Para a Empresa B (B2B), seus clientes do Lucro Real passam a preferir fornecedores de regime regular, pois estes permitem crédito de IBS/CBS, deixando a Empresa B menos competitiva.

Cenário 2 – Empresa B adere ao regime híbrido

  • Empresa B permanece no Simples para tributos federais e previdenciários, mas apura IBS/CBS pelo regime regular;
  • Destaca IBS/CBS nas notas fiscais;
  • Seus clientes voltam a gerar créditos de IBS/CBS, reduzindo o custo efetivo da compra.

Nesse caso, a carga nominal de IBS/CBS da empresa aumenta, e a complexidade de apuração cresce, mas a empresa recupera competitividade junto a clientes empresariais. A decisão ótima depende de simulações comparando:

  • carga efetiva no Simples “puro”;
  • carga combinada Simples + IBS/CBS por fora;
  • eventuais cenários de migração para Lucro Presumido ou Real

6.4 Pequenas empresas x empresas em “limite” de faturamento

Outro impacto financeiro relevante diz respeito às empresas situadas próximas ao teto de faturamento do Simples. A reforma pode:

  • tornar o Simples relativamente menos vantajoso para empresas de maior porte dentro do regime, que tenham estrutura apta a cumprir obrigações acessórias do regime regular e cuja clientela se beneficie dos créditos de IBS/CBS;
  • reforçar o Simples como refúgio de simplificação para microempresas com baixa capacidade administrativa e foco no consumidor final.

Estudos recentes de entidades empresariais e tributaristas sugerem que a reforma produzirá um cenário em que “ser ou não ser do Simples” passará a ser decisão cada vez mais estratégica, exigindo assessoria especializada e planejamento tributário periódico.

7. Considerações finais

A reforma tributária do consumo, concretizada pela EC 132/2023 e pela LC 214/2025, preserva formalmente o Simples Nacional, incorporando IBS e CBS ao regime simplificado e mantendo a lógica de tributação unificada e simplificada para micro e pequenas empresas.

Entretanto, a análise normativa e doutrinária realizada neste artigo evidencia que:

  1. A simplicidade formal é mantida, mas o ambiente econômico se torna mais sofisticado, exigindo das empresas do Simples maior atenção ao impacto de suas escolhas sobre clientes e fornecedores.
  2. A ausência de créditos de IBS/CBS para adquirentes que compram de optantes pelo Simples tende a reduzir a competitividade de empresas situadas no meio da cadeia, especialmente em operações B2B.
  3. A possibilidade de regime híbrido, com IBS/CBS apurados fora do Simples, surge como alternativa relevante para mitigar essa perda de competitividade, mas aumenta a complexidade operacional e pode elevar a carga tributária nominal se não houver planejamento adequado.
  4. Setores sujeitos ao Imposto Seletivo enfrentarão carga adicional fora do Simples, o que exigirá reprecificação de produtos e revisão de modelos de negócio.
  5. Em termos financeiros, a reforma exigirá das empresas do Simples simulações recorrentes, comparando cenários de permanência integral no regime, adoção do regime híbrido ou migração para outros regimes, levando em conta não apenas a carga nominal, mas também efeitos em fluxo de caixa, preços de venda e competitividade de mercado.

Como agenda de pesquisa futura, sugere-se:

  • estudos empíricos com simulações setoriais utilizando dados reais de empresas do Simples;
  • análise específica dos efeitos regionais da reforma, dada a heterogeneidade econômica do país;
  • avaliação da relação entre reforma tributária e formalização de pequenos negócios, incluindo impacto sobre geração de emprego e renda.

Referências básicas

  • BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, com redação dada pela EC 132/2023.
  • BRASIL. Lei Complementar n.º 123/2006. Institui o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte.
  • BRASIL. Lei Complementar n.º 214/2025. Institui a CBS e o IBS e dá outras providências.
  • BRASIL. PLP 68/2024 – Lei Geral do IBS, da CBS e do Imposto Seletivo.
  • CFC. Reforma Tributária: o novo Sistema Tributário Brasileiro. Conselho Federal de Contabilidade, 2024.
  • REASE. A tributação do Simples Nacional e o impacto da Reforma Tributária. Revista REASE, 2024.
  • MIGALHAS. A encruzilhada tributária do Simples Nacional pós-reforma. 2025.
  • FENACON. Reforma tributária impõe futuro desafiador para empresas do Simples. 2025.
  • IBET. Empresas do Simples podem perder competitividade com a reforma tributária. 2025.
  • Outros artigos e notas técnicas citados ao longo do texto.

[1] Advogado especialista Direito Tributário e Empresarial, Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Curitiba, com especializado em Direito Civil na Pontifícia Universidade Católica do Paraná, especializado em Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, e, especializado em Direito Tributário e Processo Tributário pela Universidade Positivo.

 

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