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Responsabilidade Gerencial sobre os Créditos Acumulados de ICMS Não Apropriados

Cristhofer Pinto Oliveira[1]

1. Introdução

A sistemática do ICMS, tributo de competência estadual e de natureza não cumulativa, permite que o contribuinte compense o imposto devido com os créditos oriundos das operações anteriores. Esse mecanismo tem por finalidade evitar a tributação em cascata, preservando a neutralidade do imposto e a competitividade empresarial.

Entretanto, na prática empresarial, é recorrente a formação de créditos acumulados de ICMS que, por razões operacionais, burocráticas ou de gestão inadequada, não são devidamente apropriados ou recuperados. Essa omissão, embora de natureza contábil-tributária, pode ensejar responsabilidade gerencial, tanto no campo civil e societário, quanto tributário e penal, dependendo das circunstâncias do caso concreto.

O presente artigo analisa a responsabilidade dos administradores e gestores fiscais das empresas pela perda, não aproveitamento ou má gestão dos créditos de ICMS, sob a ótica do direito tributário, do direito societário e da governança corporativa.


2. Natureza Jurídica dos Créditos de ICMS

Os créditos de ICMS possuem natureza de direito subjetivo do contribuinte, desde que atendidos os requisitos legais para sua constituição. O artigo 155, § 2º, inciso I, da Constituição Federal, assegura a não cumulatividade, permitindo que o imposto devido em cada operação seja compensado com o montante cobrado nas etapas anteriores.

O art. 20 da Lei Complementar nº 87/1996 (Lei Kandir) consagra o direito ao crédito do ICMS nas operações que antecedem a circulação de mercadorias ou a prestação de serviços tributáveis, desde que devidamente escriturados.

Dessa forma, o crédito de ICMS é um ativo de natureza patrimonial, que deve ser reconhecido contabilmente, pois representa uma vantagem econômica futura seja por compensação, ressarcimento, transferência ou utilização em operações próprias.


3. Omissão Gerencial e a Perda do Direito ao Crédito

A apropriação do crédito depende da escrituração tempestiva e da comprovação documental idônea (art. 23 da LC 87/1996). O não lançamento, ou o lançamento intempestivo, pode gerar a preclusão do direito creditório, conforme entendimento consolidado em diversos tribunais administrativos e judiciais.

Essa perda não se resume a um equívoco contábil: representa prejuízo econômico direto ao patrimônio da empresa, reduzindo o fluxo de caixa e a competitividade, e pode ser interpretada como ato de gestão ineficiente.

Sob o prisma societário, o art. 1.016 do Código Civil e o art. 158 da Lei nº 6.404/1976 (Lei das S.A.) estabelecem a responsabilidade dos administradores por culpa ou dolo na gestão dos negócios sociais, incluindo a negligência na adoção de controles internos tributários adequados.

Assim, quando o gestor deixa de exercer o dever de diligência na gestão fiscal, permitindo a perda ou o não aproveitamento dos créditos de ICMS, configura-se potencial responsabilidade civil por omissão, sujeitando-o a ação de responsabilidade pelos sócios, acionistas ou pela própria sociedade.


4. Responsabilidade Tributária: Limites e Extensões

No campo estritamente tributário, o não aproveitamento do crédito não gera débito tributário direto perante o fisco, mas pode impactar na formação de saldos devedores indevidos e até levar ao pagamento maior de ICMS, contrariando os princípios da eficiência e da boa-fé administrativa.

Nos termos do art. 135, inciso III, do Código Tributário Nacional, os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado somente podem ser responsabilizados pessoalmente por infrações à lei tributária quando agirem com excesso de poderes ou infração à lei, contrato social ou estatutos.

Assim, a mera ineficiência na gestão tributária não caracteriza, por si só, responsabilidade pessoal perante o fisco. No entanto, se a omissão for dolosa ou reiteradamente negligente, gerando dano patrimonial relevante à sociedade, a responsabilização civil e até mesmo penal pode ser invocada, especialmente se configurada gestão temerária (art. 117, § 1º, da Lei das S.A.).


5. Aspectos de Governança Tributária e Compliance

O cenário contemporâneo de governança corporativa e compliance tributário exige dos administradores atuar proativamente na gestão dos créditos fiscais, adotando controles internos que assegurem:

  • a tempestiva escrituração dos créditos de ICMS;
  • a revisão periódica dos saldos acumulados;
  • o mapeamento de créditos passíveis de ressarcimento, transferência ou utilização em regimes especiais;
  • e a interação constante com a contabilidade e o jurídico tributário.

Empresas que negligenciam esses mecanismos expõem-se a riscos reputacionais, fiscais e societários, além de potenciais ações de responsabilização por parte de investidores, sócios minoritários ou órgãos de fiscalização interna.

Nesse sentido, o Conselho Federal de Contabilidade (CFC) e o IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa) recomendam a adoção de programas de compliance tributário estruturado, com políticas claras de controle e recuperação de créditos.


6. Jurisprudência e Entendimentos Relevantes

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem reconhecido, reiteradamente, que o direito ao crédito do ICMS é condicionado à sua regular constituição e escrituração, não cabendo compensação fora dos prazos e formas legais.

Vejamos:

“A apropriação de créditos de ICMS deve observar a forma e os prazos previstos na legislação, não se admitindo o aproveitamento intempestivo de créditos não escriturados no momento oportuno.” (STJ, AgInt no REsp 1.803.942/SC, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 02/09/2020)

Além disso, o CARF e os Tribunais de Contas têm reforçado que a inobservância de controles fiscais adequados pode configurar falta de diligência gerencial, ensejando responsabilização administrativa e civil.


7. Conclusão

A gestão eficiente dos créditos acumulados de ICMS transcende a esfera contábil: trata-se de dever fiduciário e estratégico dos administradores.

O não aproveitamento desses créditos, quando decorrente de omissão ou má gestão, pode configurar ato de responsabilidade civil e societária, ainda que não constitua infração tributária direta.

A responsabilidade gerencial sobre os créditos de ICMS não apropriados deve ser analisada sob a ótica da governança fiscal responsável, exigindo das empresas um modelo de compliance tributário preventivo, capaz de assegurar a integridade das informações, a tempestividade das apropriações e a maximização dos ativos fiscais.

Em última análise, a gestão tributária eficiente é expressão do dever de diligência do administrador — e a ineficiência nesse campo, uma forma de violação indireta à lei e ao contrato social, com todas as consequências jurídicas que daí decorrem.


Referências Bibliográficas

  • BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
  • BRASIL. Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996 (Lei Kandir).
  • BRASIL. Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172/1966).
  • BRASIL. Lei nº 6.404/1976 (Lei das Sociedades por Ações).
  • BRASIL. Código Civil (Lei nº 10.406/2002).
  • STJ, AgInt no REsp 1.803.942/SC, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 02/09/2020.
  • IBGC. Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa, 6ª ed., 2023.
  • CONSELHO FEDERAL DE CONTABILIDADE. NBC TG 00 – Estrutura Conceitual Contábil, 2021.


[1] Advogado especialista Direito Tributário e Empresarial, Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Curitiba, com especializado em Direito Civil na Pontifícia Universidade Católica do Paraná, especializado em Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, e, especializado em Direito Tributário e Processo Tributário pela Universidade Positivo

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