Nas últimas semanas, o tema jurídico mais comentado, tanto entre os profissionais do direito, quanto entre a população em geral, certamente é sobre as ações visando a correção dos valores depositados a título de FGTS.
Tal assunto, em que pese a popularidade do momento, diuturnamente ter gerado dúvidas sobre a vantagem na propositura de demanda, e se as chances de uma decisão favorável realmente são consideráveis.
Pois bem.
Primeiramente, é elementar trazer ao conhecimento o objeto de toda esta discussão.
O FGTS está previsto na Lei 8.036/90, e, em termos práticos, nada mais significa que uma poupança “forçada” para todos aqueles que possuem vínculos empregatícios, já que o empregador mensalmente faz depósitos específicos sobre esta rubrica, em nome do trabalhador.
Os saldos das contas do FGTS, possuem correção de 3% ao ano e mais a Taxa Referencial (TR). Ocorre que, desde 1999 este índice não acompanha a inflação, e aos poucos outros indicadores assumiram a função de correção de investimentos e contratos, os quais encontram-se em consonância com as flutuações do mercado referente ao poder de compra da população.
Sobre a famosa TR em si, esta foi criada em fevereiro de 1991 por meio da Lei 8.177/91, a qual determinou que a partir de então os saldos do FGTS seriam corrigidos por esta taxa.
Todavia, a TR ficou bastante defasada a partir de janeiro de 1999 devido a algumas alterações de metodologia pelo Banco Central e também porque ela sempre estava atrelada à taxa SELIC, ou seja, quando esta encontrava-se em alta, o cálculo da TR refletia um índice próximo ao da inflação mensal.
Mas, a partir de janeiro de 1999 houve uma brusca redução da taxa de juros, e com isso a TR caiu junto. Assim, ao longo dos anos tal taxa esteve abaixo da inflação, e, segundo especialistas, desde 2017 até os dias atuais a TR está em zero.
Assim, a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5090, que encontra-se aguardando julgamento no STF – uma vez que foi retirada da pauta prevista para o dia 13.05.2021 – foi motivada por conta desse descolamento, pois significa que o dinheiro do FGTS está se desvalorizando.
O objetivo da demanda é justamente corrigir a defasagem dos depósitos ao longo de todos esses anos que a TR foi aplicada. Em outras palavras, por meio desta ação é possível requerer o recálculo do saldo do FGTS por um índice de correção monetária mais favorável, como o INPC ou IPCA-E, por exemplo.
Os principais fundamentos para a declaração da inconstitucionalidade dos artigos 13, caput, da Lei nº 8.036/1990 e do artigo 17, caput, da Lei nº 8.177/1991, são a violação ao direito de propriedade (artigo 5º, XXII), ao direito ao FGTS (artigo 7º, III) e à moralidade administrativa (artigo 37, caput), todos previstos na Constituição Federal.
O autor da ADI (Partido Solidariedade) alega que a TR nem sequer repõe o índice inflacionário brasileiro, o que acaba por prejudicar de forma significativa os titulares das contas de FGTS, e violar o objetivo constitucional do FGTS, que é criar uma espécie de poupança ao trabalhador para ampará-lo em situações específicas previstas em lei.
Por sua vez, o pedido de improcedência da ADI é amparado por fundamentos consistentes no respeito ao princípio da legalidade, previsto no artigo 5º, II, da Constituição Federal, haja vista que a legislação infraconstitucional define claramente o índice de atualização a ser adotado, bem como, na separação entre os poderes constituídos.
Além disso, o plano de fundo da referida discussão é eminentemente econômico, e, em caso de procedência da ADI, a Caixa Econômica Federal, que é a gestora das contas vinculadas do FGTS, possivelmente sofrerá incapacidade financeira de efetivar a atualização das contas, e restituir os trabalhadores, com o eventual novo índice a ser declarado pelo STF.
Cabe destacar que esta discussão difere daquela que já foi objeto de pauta no STF referente ao prazo do trabalhador para cobrar judicialmente o empregador pelos depósitos não realizados a título de FGTS.
Naquela situação, foi firmado o entendimento da Súmula 362[1] do TST, referente a cobrança de valores não depositados pelos empregadores, ao passo que, nesta oportunidade, a discussão é referente ao índice de correção dos valores depositados a título de FGTS.
E quem tem direito ao pedido de revisão?
Todos os trabalhadores que tenham saldo na conta do FGTS de janeiro de 1999 até hoje, e pouco importa se foi efetuado o saque ou se houve a aposentadoria, o direito à revisão permanece mesmo assim.
Em caso a decisão da ADI for favorável e o supremo modular os efeitos da decisão, duas situações podem ocorrer:
1. Que os depósitos sejam corrigidos a partir da decisão em diante, ou seja, as ações ajuizadas posteriormente a esta decisão também serão beneficiadas;
2. Só quem ajuizou a ação antes do julgamento vai ter os depósitos corrigidos.
Por todo o exposto, é indiscutível que a matéria objeto de discussão na ADI nº 5090 é relevante e extremamente complexa, haja vista a existência de argumentos sólidos que fundamentam tanto o pedido de procedência quanto o pedido de improcedência da ação.
Na medida em que o julgamento foi retirado de pauta, resta aguardar a nova data, e a decisão do STF a respeito.
[1] Súmula nº 362 do TST FGTS. PRESCRIÇÃO I – Para os casos em que a ciência da lesão ocorreu a partir de 13.11.2014, é quinquenal a prescrição do direito de reclamar contra o não-recolhimento de contribuição para o FGTS, observado o prazo de dois anos após o término do contrato; II – Para os casos em que o prazo prescricional já estava em curso em 13.11.2014, aplica-se o prazo prescricional que se consumar primeiro: trinta anos, contados do termo inicial, ou cinco anos, a partir de 13.11.2014 (STF-ARE-709212/DF).