Frederico Silva Hoffmann[1]
Introdução
A evolução tecnológica nos traz diversas ferramentas que podem auxiliar na obtenção de uma decisão mais justa e de uma instrução nos processos que em muitos casos, as provas habituais não poderiam auxiliar nessa comprovação. Assim, ao passo que a tecnologia está cada vez mais enraizada dentro da sociedade como um todo, auxiliando nas praticidades da vida diária, também nos traz grande valume de dados que são armazenados a partir da sua utilização.
Recentemente, a Subseção II Especializada em Dissídios Individuais (SDI-2) do Tribunal Superior do Trabalho (TST) tomou uma decisão significativa ao anular medida liminar que impedia o Banco Santander S.A. de utilizar prova digital de geolocalização para comprovar a jornada de trabalho de um bancário de Estância Velha (RS).
A decisão da corte Superior Trabalhista fora tomada por maioria de votos, estabelecendo que essa prova seria adequada, necessária e proporcional, de maneira que não estaria violando o sigilo telemático e de comunicações que está garantido pela Constituição Federal.
O Caso e a Decisão Judicial
A ação trabalhista teve início em 2019, quando um bancário que trabalhou por trinta e três anos no banco ajuizou uma ação trabalhista pedindo o pagamento de horas extras, ajuda combustível, gratificação semestral, intervalo intrajornada e outros.
Ao apresentar a contestação, o banco rebateu os pedidos da parte autora, e, argumentou que o empregado ocupava um cargo de gerência, não estando sujeito ao controle de jornada nos termos do artigo 62 da CLT. Como forma de inovação na produção de provas, o banco reclamado solicitou a produção de provas de geolocalização para verificar se o bancário realmente estava nas dependências da empresa nos horários alegados.
Ao analisar o caso, o juízo da 39ª Vara do Trabalho de Estância Velha deferiu o pedido, de maneira a determinar que o bancário fornecesse o número de seu telefone e a identificação do aparelho (IMEI) para que as operadoras de telefonia fossem oficiadas. A determinação do juízo se deu com prazo para apresentação das informações sob pena de revelia e confissão.
Inconformado com a decisão do juízo de 1ª instância, o autor impetrou mandado de segurança perante o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, alegando violação de privacidade, principalmente porque a determinação não fazia ressalvas para horários, finais de semana ou feriados.
O Tribunal ao analisar o caso, acatou o pedido do trabalhador e cassou a decisão do juízo de 1ª instância, com argumento que o direito à privacidade deve ser entendido de forma ampla, abrangendo todas as manifestações da esfera íntima, privada e da personalidade das pessoas, incluindo o direito fundamental de ir e vir. Portanto, ao analisar a lei em confronto com o ato praticado pela autoridade coatora, é evidente que o impetrante tem razão em se sentir ameaçado e prejudicado pela utilização de dados de geolocalização no processo trabalhista. Tal medida viola diretamente o direito fundamental à proteção da intimidade e privacidade, além de infringir a garantia de inviolabilidade das comunicações.
Com base na decisão do TRT da 4ª Região, o banco recorreu a corte superior trabalhista.
Argumentos e Fundamentação
Ao ser encaminhado o processo à Corte Superior, o Ministro Amaury Rodrigues, relator designado do caso, entendeu que a geolocalização poderia ser utilizada como uma prova adequada para determinar se efetivamente o bancário estava nas instalações da empresa durante a jornada alegada por ele. Assim, o relator do caso argumentou que essa medida é considerada como proporcional e causa o menor sacrifício possível ao direito à intimidade, pois a geolocalização coincide com o local onde o próprio trabalhador afirmou estar. O ministro relator destacou ainda que não houve violação de comunicação, apenas a coleta de dados de localização, sem acessar conteúdos de conversas ou mensagens.
A decisão tem como suporte outras normas, como a própria Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), a Lei de Acesso à Informação e o Marco Civil da Internet, que permitem o acesso a dados pessoais para a defesa de interesses em juízo. No caso em questão, a utilização da geolocalização como prova foi considerada compatível com essas três legislações, da seguinte forma:
LGPD:
- A coleta de dados de geolocalização atende aos princípios de finalidade, necessidade e adequação, pois os dados são utilizados exclusivamente para verificar a presença do bancário nas instalações da empresa durante o horário de trabalho, conforme alegado por ele.
- A LGPD permite o tratamento de dados pessoais quando necessário para a execução de um contrato ou para o exercício regular de direitos em processos judiciais.
Lei de Acesso à Informação:
- Embora essa lei seja mais focada na transparência de informações públicas, seus princípios de acesso à informação e controle social podem ser interpretados para permitir que dados relevantes sejam acessados em processos judiciais, garantindo um julgamento justo e transparente.
- No contexto do caso, a geolocalização serve para assegurar que a verdade dos fatos seja esclarecida, alinhando-se ao direito de acesso à informação.
Marco Civil da Internet:
- O Marco Civil protege a privacidade dos usuários, mas também permite o acesso a dados pessoais para fins judiciais, desde que respeitados os direitos fundamentais dos indivíduos.
- A decisão de utilizar geolocalização respeita o Marco Civil ao limitar a coleta de dados exclusivamente à localização, sem invadir comunicações privadas como mensagens ou conversas.
Essas leis juntas fornecem um arcabouço jurídico que equilibra o direito à privacidade com a necessidade de obter provas relevantes em processos judiciais, garantindo que a coleta e o uso de dados pessoais sejam feitos de maneira lícita, proporcional e transparente.
No entanto, houve uma corrente minoritária dentro do TST, composta pelos ministros Aloysio Corrêa da Veiga e Dezena da Silva e a desembargadora convocada Margareth Rodrigues Costa, que defendeu que a prova de geolocalização deveria ser subsidiária e utilizada somente após a exaustão de outros meios menos invasivos.
Conclusão
A decisão do TST reforça a admissibilidade da geolocalização como prova válida em disputas trabalhistas, destacando a importância de equilibrar o uso de tecnologias modernas com a proteção de direitos fundamentais, como a privacidade. Esse caso exemplifica como a Justiça do Trabalho está se adaptando às novas tecnologias para garantir decisões justas e eficazes, sempre considerando o impacto dessas tecnologias na vida dos trabalhadores.
Processo: ROT-23218-21.2023.5.04.0000
[1] Graduado em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba. Pós-Graduado em Direito Trabalho e Direito Previdenciário na Atualidade, pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, PUC Minas, Brasil. Pós-graduado em Direito Trabalho e Processo do Trabalho, pela Universidade Estácio de Sá, UNESA, Brasil. Pós-graduado em EAD e Novas Tecnologias, pela Faculdade Educacional da Lapa, FAEL, Brasil. Mestre em Cultura Jurídica: Segurança, Justiça e Direito, pela Universidade de Girona, UDG, Espanha. Doutorando em Direito do Trabalho, pela Universidade de Buenos Aires, UBA, Argentina. Membro da Comissão de Direito do Trabalho da OAB/PR (Gestão 2022-2024). Membro da Comissão Estudos de Compliance e Anticorrupção da OAB/PR (Gestão 2022-2024). Advogado e sócio da Oliveira, Hoffmann & Marinoski – Advogados Associados.