Com a edição da lei 14.151/2021 que visa afastar as gestantes do trabalho presencial por conta da pandemia de COVID-19, se criou uma discussão: quem deve arcar com o ônus deste afastamento para mulheres que trabalham em cargos ou funções que são incompatíveis com home office?
Em inúmeras decisões desde o início da pandemia, podemos perceber a postura do judiciário quanto a inúmeros pontos relativos a saúde e a garantia da segurança das pessoas. Tendo o judiciário uma postura de garantia da saúde coletiva e da segurança das pessoas para redução da contaminação do coronavírus.
O Poder Legislativo com a finalidade de garantir a segurança e saúde, desde o início da pandemia tem editado textos visando também conferir esta segurança as pessoas. Um dos textos que visam garantir a segurança e a saúde é a lei 14.151/2021, a qual possui pequena e simples redação, vejamos:
Art. 1º Durante a emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do novo coronavírus, a empregada gestante deverá permanecer afastada das atividades de trabalho presencial, sem prejuízo de sua remuneração.
Parágrafo único. A empregada afastada nos termos do caput deste artigo ficará à disposição para exercer as atividades em seu domicílio, por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho a distância.
Aqui se faz o destaque a dois pontos importantes da lei trazida acima: 1º Toda gestante deve ser afastada do trabalho presencial; 2º Não pode haver prejuízo em sua remuneração.
Assim, nasce uma nova discussão: e a gestante que pela natureza de sua função não pode exercer o labor a distância, quem deve remunerá-la?
Desde já se faz necessário trazer o artigo 4º, § 8º da Convenção 103 da Organização Internacional do Trabalho:
Em hipótese alguma, deve o empregador ser tido como pessoalmente responsável pelo custo das prestações devidas às mulheres que ele emprega.
O próprio órgão internacional de defesa as relações do trabalho traz o entendimento de que não se pode transferir ao empregador custos relativos à gestação da trabalhadora, uma vez que transferir ao empregador tais custos, poderá ocasionar dentre os fatores, o desinteresse dos empregadores em contratar mulheres.
A lei que afasta as gestantes durante a pandemia acaba por ser omissa no que diz respeito as funções que por sua natureza não podem efetivamente laborar a distância. Pela lei, todas as trabalhadoras grávidas devem ser afastadas, de maneira indistinta.
Porém, esta falta de regulação para as mulheres que laboram em atividades que são incompatíveis ao labor a distância acaba por criar prejuízo ao empregador e por consequência as próprias empregadas gestantes.
Ainda que a CLT não tenha disposição sobre este tipo de situação específica, o artigo 394-A, § 3º, faz menção as gestantes que laboram em ambiente insalubre e devem ser afastadas. Assim o artigo traz a seguinte redação:
§ 3º Quando não for possível que a gestante ou a lactante afastada nos termos do caput deste artigo exerça suas atividades em local salubre na empresa, a hipótese será considerada como gravidez de risco e ensejará a percepção de salário-maternidade, nos termos da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991, durante todo o período de afastamento.
Como mencionado anteriormente, ainda que esta situação da lei 14.151/2021 não regule os casos das gestantes que laboram em atividades incompatíveis com o trabalho a distância, a própria CLT já possuía dispositivo elucidando o caso de necessidade de afastamento da gestante do local de trabalho e como devia ser esta sua remuneração.
Assim, ao se fazer uma analogia ao dispositivo da legislação trabalhista, chega-se ao entendimento que ao realizar o afastamento da gestante do trabalho presencial em atividade que não há como ser prestada de forma remota. Este custo não pode ser transferido ao empregador, devendo o Estado arcar com os custos deste afastamento.
Este entendimento já fora adotado em diversos pronunciamentos judiciais, como o caso da decisão proferida pelo desembargador Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), que enquadrou o salário de gestante afastada em razão da pandemia como salário-maternidade.
REFERÊNCIA:
Convenção 103 da Organização Internacional do Trabalho: Disponível em: https://direito.mppr.mp.br/arquivos/File/conv_103.pdf – Acesso em 23/01/2022
Autos: Nº 5036796-18.2021.4.04.0000/TRF – Disponível em: https://www.trf4.jus.br/trf4/controlador.php?acao=noticia_visualizar&id_noticia=16105 – Acesso em 23/01/2022