Hugo Ramos Pinto Junior[1]
Introdução
O trespasse, regulado pelo artigo 1.143 do Código Civil Brasileiro, refere-se à transferência do estabelecimento empresarial de um titular para outro. Esse contrato pode ser formalizado por compra, venda, arrendamento ou usufruto de todo o fundo de comércio de uma empresa. O estabelecimento empresarial inclui bens corpóreos e incorpóreos, como instalações físicas, marcas, direitos sobre contratos e clientela, constituindo um patrimônio utilizado para a exploração de uma atividade econômica.
Neste artigo, analisaremos os aspectos jurídicos do trespasse, seus requisitos, implicações, e como ele se relaciona com a sucessão empresarial, utilizando o caso concreto do Agravo de Instrumento n. 0706104-68.2018.8.07.0000[2] como base para a discussão.
O Conceito de Trespasse no Código Civil
De acordo com o artigo 1.143 do Código Civil, o trespasse é a alienação do estabelecimento empresarial, sendo necessário para a sua validade que seja averbado no Registro Público de Empresas Mercantis e publicado na imprensa oficial. Essa formalidade garante que terceiros tenham ciência da operação e, principalmente, dos efeitos que ela pode gerar, como a responsabilidade solidária do alienante e do adquirente pelos débitos anteriores à transação, conforme previsto no artigo 1.146 do Código.
O trespasse é uma forma de garantir a continuidade dos negócios, mantendo a exploração de uma atividade econômica por outra pessoa jurídica. Entretanto, a efetivação dessa transferência deve obedecer aos requisitos legais para evitar fraudes e garantir a proteção dos direitos dos credores.
Requisitos para a Configuração do Trespasse
Para que o trespasse seja reconhecido, é necessário observar os seguintes requisitos:
- Transferência do Estabelecimento: O bem jurídico objeto do contrato é o estabelecimento empresarial, que inclui o fundo de comércio, a clientela, os bens corpóreos e incorpóreos, entre outros ativos.
- Continuidade da Atividade: A empresa adquirente deve continuar com a exploração da mesma atividade econômica, no mesmo local ou com as mesmas condições, preservando a continuidade do negócio.
- Registro e Publicação: A transação deve ser registrada e publicada para que tenha validade frente a terceiros, principalmente em relação aos débitos anteriores do estabelecimento.
Esses elementos são essenciais para diferenciar um trespasse formal de uma mera transferência informal de ativos ou de um encerramento de atividades.
Trespasse e Sucessão Empresarial
O tema da sucessão empresarial está intimamente ligado ao trespasse. No caso analisado (Processo n. 0706104-68.2018.8.07.0000), discutiu-se a alegada sucessão irregular entre duas empresas do ramo farmacêutico, a Drogaria Tianguá Ltda. e a Drogaria Mathias Ltda., que operavam no mesmo local e com atividades semelhantes.
O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios reafirmou que, para o reconhecimento da sucessão empresarial, é indispensável a presença do trespasse. A mera continuidade das atividades no mesmo local e a utilização da mesma clientela não são suficientes, por si só, para presumir uma sucessão irregular. Deve-se comprovar, também, a confusão patrimonial entre as empresas, o que não foi evidenciado no caso.
Segundo o relator, a inexistência de provas contundentes acerca da confusão entre os sócios e o patrimônio das empresas envolvidas impediu o reconhecimento da sucessão. Esse posicionamento se baseia na premissa de que a confusão entre as personalidades jurídicas e o patrimônio das empresas deve ser clara para que a sucessão possa ser declarada.
Conclusão
O trespasse é um instrumento jurídico que visa garantir a continuidade das atividades empresariais ao permitir a transferência do estabelecimento. No entanto, sua formalização exige o cumprimento de requisitos claros, como a publicação e registro da operação, bem como a responsabilidade solidária do alienante e adquirente. Além disso, a análise de casos concretos, como o do agravo de instrumento mencionado, evidencia que a sucessão empresarial depende da prova de elementos específicos, como a confusão patrimonial e a continuidade da atividade econômica.
Portanto, o trespasse deve ser formalizado com cautela, principalmente em operações de transferência de empresas que possuem dívidas ou outras obrigações pendentes, a fim de evitar litígios futuros e proteger os interesses de credores.
Referências
Acórdão n. 1107187, 07061046820188070000, Relator Des. HECTOR VALVERDE, 1ª Turma Cível, data de julgamento: 4/7/2018, publicado no DJe: 6/7/2018.
BRASIL. Código Civil Brasileiro. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: [link]. Acesso em: [data].
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, vol. 1, p. 132-133.
[1] Graduado em Direito formado pela Universidade Tuiuti do Paraná. Pós-graduado em Advocacia Empresarial e Compliance pela ESA/OAB-MG. Possui vasta experiência na área da Educação tendo trabalhado como pesquisador do ensino acadêmico e corporativo em Propriedade Intelectual e Direito Autoral no Audiovisual e em Novas Tecnologias.
[2] AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. SUCESSÃO EMPRESARIAL. TRESPASSE. REQUISITOS. CONFUSÃO ENTRE OS SÓCIOS. REALIZAÇÃO DE MESMA ATIVIDADE ECONÔMICA. DESENVOLVIMENTO DAS ATIVIDADES NO MESMO LOCAL. AUSÊNCIA DE INDÍCIOS E PROVAS A RESPEITO DOS REQUISITOS. IMPOSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DA SUCESSÃO EMPRESARIAL. INEXISTÊNCIA DE BENS PENHORÁVEIS. SUSPENSÃO DO FEITO. MEDIDA ADEQUADA.
- A sucessão empresarial é instituto disciplinado pelo artigo 1.146 do Código Civil e, para o seu reconhecimento, é indispensável que haja o trespasse, previsto no artigo 1.143 do mesmo diploma legal.
- Nem sempre é fácil a constatação do trespasse; porém, a presença de alguns indícios autoriza o reconhecimento da sucessão empresarial. São eles: a existência de confusão entre os sócios, a realização da mesma atividade econômica e o desenvolvimento de atividades no mesmo local.
- A II Jornada de Direito Comercial, em seu enunciado 59, pontuou que “a mera instalação de um novo estabelecimento, em lugar antes ocupado por outro, ainda que no mesmo ramo de atividade, não implica responsabilidade por sucessão”.
- A ausência de indícios fortes e provas contundentes a respeito da confusão patrimonial e societária impede a presunção da sucessão empresarial, para que não ocorra a condenação de pessoa diversa daquela que assumiu a obrigação.
- Não se mostra arbitrária ou equivocada a decisão que determina a suspensão do feito diante da inexistência bens para penhorar, porquanto é o procedimento previsto pela lei processual vigente (art. 921, inc. III, Código de Processo Civil). A referida medida, aliás, confere proteção ao direito do credor, tendo em vista que não há fluência do prazo prescricional no período em que o processo está suspenso. 6. Agravo de instrumento desprovido.
(Acórdão 1107187, 07061046820188070000, Relator(a): HECTOR VALVERDE SANTANNA, 1ª Turma Cível, data de julgamento: 4/7/2018, publicado no DJE: 6/7/2018. Pág.: Sem Página Cadastrada.)