Cristhofer Pinto Oliveira[1]
As bases da sociedade moderna atual, tem sido profundamente alterada com o constante advento de novas tecnologias.
A propagação exponencial de conteúdo e conhecimento, trouxe consigo a modificação dos modelos negociais e de relacionamento, que dirá ainda principalmente no comportamento dos indivíduos, o que certamente são pontos de mudança extremamente relevantes da sociedade em que vivemos.
A automação tem trazido claros desafios no âmbito das relações de trabalho, e até mesmo no que concerne a tributação, assim se faz mister a modernização da legislação, como forma de acompanhar as novas práticas comerciais, bem como também a dinâmica da política e da economia.
Em que pese as novas tecnologias estarem inseridas nos mecanismos da chamada IA (Inteligência Artificial), evidencia-se o potencial impacto no mercado de trabalho atual.
Diversamente da transformação proporcionada pela Indústria 4.0, o uso continuo e intrínseco da IA, tem o condão de trazer a inevitável substituição dos postos de trabalho ou até mesmo gerar o desaparecimento de determinadas atividades laborais, verbi gratia, a profissões de motorista, operador de caixa, operador industrial, operador de telemarketing, tradutor, atendente comercial, trabalhador de linha de montagem, inspetor de controle de qualidade, caminhoneiro e até mesmo do assistente jurídico.
Sem contar ainda que a aplicação da IA direcionada aos meios de pagamentos, por meio da criação das criptomoedas e blockchain, igualmente já representam um desafio à arrecadação de impostos0 pelo fisco, uma vez que na prática se admite a ocorrência de transações financeiras em ambiente negocial ainda não devidamente regulado pelo Estado.
ROBO TAX
Nesse cenário, com o progresso da IA, o caminho atual da automação robótica da sociedade como um todo vem a ser um dos grandes desafios para o Direito, particularmente para o Direito Tributário.
Nesse sentido, já se observa a produção de diversos estudos quando a possibilidade de se tributar tais sistemas inteligentes, seus usuários ou ainda as grandes companhias de tecnologia, com o intuito de se mitigar o crescente decréscimo dos postos formais de trabalho, reduzindo desse modo a desigualdade, suprindo-se a perda de arrecadação decorrente de tais fatores.
Bem como também, há ainda um debate, acerca da extinção de incentivos para investimentos em automação, ou ainda até mesmo a instituição de um tributo sobre os robôs, sendo tal forma utilizada como estratégia governamental na qual a tributação teria a função fiscal de financiar despesas relativas a seguridade social, além das despesas gerais do Estado. Além do que, assumiria o papel extrafiscal, sendo responsável por desencorajar a substituição da mão-de-obra humana, tendo como objetivo a promoção de uma transição compassada e gradativa da força de trabalho humana para as máquinas, trazendo assim uma maior possibilidade de controle estatal nesse processo.
IMPASSE
Contudo, semelhantemente ao impasse quanto a definição tributária dos serviços típicos da nova economia digital, dentre eles aqueles serviços prestados pela Uber, Netflix, Airbnb, Spotify, Amazon dentre outros, a viabilidade de estruturação de um possível robot tax, obviamente enfrenta inúmeros e diversos desafios para sua concepção.
De plano, dentre algumas dificuldades está a conceituação de robôs, bem como a diferenciação entre “robôs inteligentes” e máquinas, a sua natureza jurídica, sem falar no tratamento tributário adequado, em qual poderia se evidenciar a oportunidade da incidência do tributo sobre a propriedade do robô ou sobre a capacidade do próprio robô, mediante a atribuição de eventual personalidade jurídica, estão dentre as inúmeras propostas.
Na medida que, nesses casos, a identificação do robô ao qual imposto se aplicaria se mostra extremamente relevante, uma vez que existem diversos níveis de automação.
Diversamente do que já ocorre em casos usuais de robôs que deslocam trabalhadores humanos dos postos de trabalho tradicionais, como carros e caminhões de transporte autônomos, os caixas eletrônicos e terminais de check-in de companhias aéreas, por exemplo, não devem ser considerados como robôs, uma vez que operam na condição de dispositivos automatizados, mas que ainda assim reduzem o número de empregos disponíveis para humanos.
De modo que, reside ainda também dúvidas no que tange a definição distintiva entre robôs que substituem o trabalho humano daqueles que suplementam o trabalho humano. Tais como a exemplo, das empresas de mineração subterrânea que utilizam robôs visando obter acesso a potenciais locais instáveis para lavra, o que certamente torna o procedimento mais seguro para o trabalho humano, o que desse modo a incidência de um imposto sobre todo e qualquer robô operando nessa modalidade de tarefa implicaria no aumento do custo de propriedade e da operação em si, de tal modo que, a utilização de um robô tornar-se-ia economicamente inviável, acarretando inevitavelmente assim colocar em risco vidas humanas na realização dessa modalidade de trabalho.
INICIATIVAS
Deixando-se de lado os aspectos conceituais, a vista de superação de tais questões, nesse campo jurídico, já vislumbra-se algumas iniciativas de alguns países.
Assim, observa-se que quanto a diferenciação entre robôs e maquinas, a Comissão de Definições da Resolução do Parlamento Europeu sobre Inteligência Artificial, postula o entendimento de que se considera inteligente: (1) o robô que apresentar aptidões para aquisição de autonomia por meio de sensores e/ou da troca de dados com o seu ambiente (interconectividade) e da troca e análise de dados; (2) a autoaprendizagem com a experiência e com a interação; (3) possuir suporte físico mínimo; (4) adaptar seu comportamento e suas ações ao ambiente; (5) inexistência de vida no sentido biológico do termo.
Ainda existem algumas recomendações, inseridas no documento emitido pela Comissão de Definições da Resolução do Parlamento Europeu sobre Inteligência Artificial, dentre as quais destacam-se a constituição de sistema de registro de robôs avançados no mercado interno; a criação de um regime de seguros obrigatórios e fundos de compensação para cobrir os danos potencialmente causados pelos robôs, além da taxa pontual a ser paga no momento em que se coloca o robô no mercado, ou a instituição de pagamento de contribuições periódicas durante o tempo de vida do robô.
De forma que, as principais características na conceituação de um robô inteligente, estão relacionadas, a autonomia, a habilidade para aprendizado e a capacidade de tomada de decisão. Sendo que tais noções, fundamentais para a conjectura de se atribuir uma personalidade jurídica a um robô.
ALTERNATIVAS
No âmbito nacional, para fins de tributação, o Direito Brasileiro não restringe a atribuição de personalidade jurídica tão somente aos seres humanos, sendo que a fundamentação quando a criação de personalidade jurídica para robôs viria justamente do conceito de ficção jurídica utilizado analogicamente à atribuição de personalidade jurídica atribuída as sociedades empresárias, as associações e fundações.
Assim, considerando-se ser plausível e razoável juridicamente atribuir-se personalidade jurídica aos robôs, tal como no caso das pessoas jurídicas, poder-se-ia nesses casos constituir-se capacidade tributária própria, e nesses casos, pode-se alçar arranjos jurídicos tais como a tributação de renda presumida auferida pelos robôs, a ser calculada por uma porcentagem do valor de sua produção ou ainda com base num salário fictício, o qual seria pago a um ser humano com habilidades semelhantes, ou ainda a dedução do salário presumido por tal pessoa, ou mesmo a instituição de contribuições sociais sobre o salário presumido dos robôs.
Tal alternativa, esbarraria na dificuldade em se avaliar tal renda, especialmente se um robô fizesse parte de uma equipe de robôs ou de uma equipe mista com seres humanos responsáveis pela produção da empresa. Ademais, existe ainda a possibilidade de que as funções nunca terem sido exercidas por seres humanos, de forma que não haveria nenhuma base de referência de renda humana para o cálculo dos impostos que tais robôs devam pagar.
Outra hipótese viável seria o aumento da carga tributária a ser suportada pelas empresas que se valem da automação para obtenção de lucros maiores, sendo que tal alternativa, decorre da visão de que a automação de tarefas contribuirá para a redução dos salários para os trabalhadores e consequentemente maiores serão os lucros para aqueles que possuem os robôs, agravando o quadro de desigualdade social.
De modo que, a tributação nesses moldes, seria direcionada as empresas de tecnologia multinacionais com alto faturamento global.
Tal proposta já é versada no Projeto de Lei nº 2.358/2020, o qual tramita na Câmara dos Deputados, que almeja instituir a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico incidente sobre a receita bruta de serviços digitais prestados pelas grandes empresas de tecnologia a chamada CIDE Digital, cuja arrecadação seria destinada ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT).
Estuda-se, ainda, ser viável a configuração do robot tax tendo como parâmetro a propriedade, no formato de imposto especial aplicado na compra de um robô ou sobre as taxas de licença pagas por uso de mecanismos que contêm IA, nos mesmos moldes do IPVA (Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores, o qual tem como fato gerador a propriedade do veículo automotor de qualquer espécie.
E mais, nesse âmbito, pensa-se ainda, a possibilidade de se estabelecer um imposto de capital a ser cobrado sobre os robôs de propriedade das empresas, tendo como base o valor anual avaliado multiplicado por uma taxa de fábrica, ou ainda com base no valor contábil dos robôs. Contudo, tal forma de tributação encontra dificuldades na forma de classificação entre máquinas e robôs, haja vista que tal distinção em alguns casos pode não ser clara.
Por derradeiro, vislumbra-se a alternativa com esteio na extinção dos incentivos fiscais concedidos pelo fisco nos casos de investimentos em automação. No Brasil, há incentivos fiscais voltados ao desenvolvimento e produção de bens e serviços de informática e automação para empresas que tenham investimentos nas atividades de pesquisa e desenvolvimento em tecnologia da informação, através da isenção do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), conforme previsto na Lei nº 8.191/91.
CONCLUSÃO
É facilmente perceptível, que ainda se tem inúmeras questões conceituais a serem dirimidas até que possa tentar juridicamente viabilizar a instituição de imposto sobre robôs. Todavia, o que se observa é que já houve exploração do tema em questão, sendo em alguns casos já mais factíveis no âmbito político, havendo ainda especulações menos convencionais em outras esferas.
Assim, apesar de ser um tema bastante controverso, a discussão já faz parte da agenda política em diversos países, com a finalidade de se estabelecer um marco regulatório, relacionado aos aspectos legais, tanto no âmbito do direito civil, tributário e social, objetivando e possibilitando a definição de metas relacionados a política fiscal a serem alcançados.
Por óbvio, que as opções atualmente postas em debate ainda encontram inúmeras falhas, uma vez que cada determinada espécie de tributação, certamente geraria impactos econômicos a depender da localização aonde a empresa está estabelecidas. De modo que as ideias e diversas formas de tributação não podem ser tomadas ainda de forma exaustivas ou prescritivas, devem servir como incentivo ao debate jurídico, com abertura para novas propostas.
Mesmo que ainda não chegue a uma resposta óbvia para toda a problemática envolvendo tal tema, certamente tal questão é extremamente pertinente para a política tributária a qual surgirá ao longo das próximas décadas do século 21.
Como expressam alguns autores, alterar as “regras do jogo” com o fim de que a riqueza gerada alcance um grupo mais amplo de pessoas antes que se acumule nas mãos de uma elite econômica, é bastante desafiador, mas certamente será mais fácil do que distribui-la após a ocorrência do fato.
Ao pensar-se na questão como um cenário exequível, tal tema pode possibilitar que os países criem alternativas criando uma agenda tributária compatível com as premissas e propósitos voltados às políticas econômicas e sociais nacionais.
[1] Advogado especialista Direito Tributário e Empresarial, Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Curitiba, com especializado em Direito Civil na Pontifícia Universidade Católica do Paraná, especializado em Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, e, especializado em Direito Tributário e Processo Tributário pela Universidade Positivo.